Guarda-Nocturno e a reunião da NATO

Publicada por Carlos Tendeiro | sexta-feira, novembro 19, 2010 |

O Corte das telecomunicações no dia da Reunião Ministerial da NATO, em 4 de Junho de 1971, contado por um operacional

"A Reunião ministerial que a NATO realiza agora, em Novembro de 2010, em Lisboa é a segunda a este nível, tendo ocorrido a primeira em Junho de 1971. O governo de Marcelo Caetano tinha feito, então, um enorme esforço diplomático para que a reunião se verificasse em Lisboa. Pretendia com evento, de tão grande projecção, obter uma prova de que a NATO contestava o regime da ditadura portuguesa e assim o seu Governo pudesse ganhar um novo fôlego interna e externamente.
Para pôr em cheque o êxito de tais propósitos a Acção Revolucionária Armada (ARA), que desde Outubro de 1970 vinha realizando espectaculares acções armadas (sem vítimas) contra o regime fascista decidiu estragar a festa à ditadura no momento em que estavam em Portugal jornalistas de todo o mundo e os altos representantes dos países da NATO.
Como? Cortando as ligações telefónicas e telegráficas do país com o resto do mundo e também provocando um corte na rede eléctrica que abastecia Lisboa, atrapalhando a festa no Palácio da Ajuda.
O corte das telecomunicações foi feito com uma explosão numa pequena cabine subterrânea onde se conectavam os cabos para as ligações internacionais. Essa cabine ficava situada por baixo do passeio que circunda a ala oriental do
edifício, entre a parede e o primeiro carro que se vê estacionado na fotografia. O acesso fazia-se levantando uma pesada tampa de ferro no passeio e as informações sobre a forma de operar e localizar os cabos foram dadas por um
funcionário dos CTT que ali trabalhava, Alberto Serra, irmão de Jaime Serra, do comando Central da ARA.

(...)
Cá fora o António fazia de parceiro da parelha de técnicos dos CTT e vigiava. Para dar uma aspecto mais profissional e precaver a queda no buraco aberto, de algum transeunte menos avisado, o que não ajudaria em nada a operação em
curso, o António colocou à volta da descontinuidade do passeio uma cancela própria para obras destas. Não contou foi com a aproximação balanceada de um compassivo guarda nocturno. Eu também assistia, pouco entusiasmado, àquela
aproximação, ao mesmo tempo que avançava um pouco para eventual necessidade de persuadir o cívico a prosseguir a sua marcha. A outra esquina também estava Alberto Serra vigilante para qualquer eventualidade técnica. O guarda noturno foi profissional quanto baste. Passou rente, deu uma boa noite ao António, mais um, coitado, a trabalhar àquelas horas! Eram quase 2 da manhã, olhou para dentro que a curiosidade é virtude dos Portugueses, pareceu-lhe tudo conforme ao sossego da grande cidade. Aliás reparações dos Correios não estava no âmbito das competências em si delegadas e foi à sua vida que também não era pêra doce.
O Carlos antes de sair confirmou que podia accionar o retardador da explosão com uma metodologia resultado da investigação interna da organização e assim pode ligar um interruptor sem que o coração se lhe descompassasse, para que daí a uma hora o mecanismo cumprisse a parte da missão que lhe estava entregue. Em seguida, juntámo-nos patrioticamente, à saída de Lisboa, a mais duas equipas e fomos num instantinho, ali entre Sacavém e Alverca, deitar abaixo 3 torres da rede eléctrica de alta tensão. Ainda não havia a REN nem o empresário-sucateiro de Matosinhos sonhava vir a fazer negócios com tal empresa".

In: DN