Os mendigos fardados da noite do Porto

Publicada por Carlos Tendeiro | segunda-feira, dezembro 20, 2010

Meia-noite, Praça da Batalha, Porto. João Travassos, 72 anos, cumpre religiosamente a rotina de há 30 anos. Começa mais um turno que se estende até às 5h00. Até lá vai passar por mais de uma dezena de ruas entre a Batalha e o Jardim de São Lázaro e verificar se não há sinais de assalto nas lojas. Encontramos Travassos na esquadra da PSP, no Infante, meia-hora antes, mas não é polícia. Fala vezes sem conta da câmara para a criticar, mas não é funcionário municipal. João Travassos é o mais antigo dos guardos nocturnos que subsistem na Invicta, onde ainda trabalham oito. Travassos é o número 49, algarismos que indiciam números de outros tempos. “Há 30 anos saíamos 13 à noite só da esquadra onde agora é o Comando da PSP”, diz.

23h00, o GRANDE PORTO inicia o giro com Travassos. A noite de nevoeiro grave e frio sério acompanham Travassos, antigo marceneiro reformado. É altura de se apresentar na Esquadra do Infante. “Meu comissário dá licença?”, interpela.

O ritual espoleta uma viagem a um tempo esquecido e as ruas transformam-se num museu em que Travassos é o guia. Na cabeça leva o velho barrete de guarda. Os polícias tem-lhe carinho e o “49” segue para o giro da noite. Calca as ruas do Infante até à Batalha e lá bate o quarteirão vezes sem conta até à aurora. “O turno acaba às 5h00”, explica. Travassos exerce uma profissão de ninguém no Porto. “Somos regulamentados pela PSP e pela Câmara, mas não temos ordenado. Pedimos contribuições, que são mais esmolas”, refere.

O ancião vigilante tem razão. A maioria dos comerciantes paga entre os 2.50 e os 4 euros, por mês. “E temos de os ir cobrar”, alerta o homem que agora já só tem 40 clientes a pagar. Em média, ganha 200 euros para colmatar a fraca reforma. “Dá para medicamentos”, diz. Para cobrar passa um recibo que de nada vale. E assim o ofício vai se mantendo. “Ninguém quer vir para aqui. Se existisse um salário fixo talvez”, queixa-se.

Disparou arma uma vez

Travassos já não usa arma, mas ainda se recorda da última vez que a disparou há vários anos. Quando mostrava a pistola a uma chefe da PSP, teve “um azar e a bala saiu ao lado, felizmente”, explica. Os guardas que querem continuar armados têm de frequentar um curso e usar uma arma de defesa pessoal. “A PSP dava-me arma que levantava na esquadra, mas há um ano deixaram de dar”, diz. A alteração foi provocada pela nova lei das armas.

Travassos conhece todas as pessoas que habitam a noite da zona que patrulha. “Os guardas nocturnos são necessários”, diz José Neves, antigo dono da Estação de Camionetas da Batalha. Os motoristas de autocarro acenam todos a Travassos que garante que não irá continuar na noite por muito mais tempo


Nota:

Talvez seja o Guarda-Nocturno mais antigo do País, a quem felicitamos os anos em que serviu a cidade do Porto, mas não podemos deixar de mencionar e em prol da dignificação da actividade de Guarda-Nocturno, que o colega da reportagem já não pode exercer a actividade de Guarda-Nocturno, sendo que a actividade só pode ser exercida até aos 70 Anos.
O processo de abertura de concurso para a actividade de Guarda-Nocturno no Porto, já está em apreciação no Departamento dos Recursos Humanos, ao que aguardamos uma resposta.
Os anos passaram e os Guardas-Nocturnos modernizaram-se, havendo cada vez mais jovens a concorrer para esta nobre profissão, e ao que temos conhecimento o Guarda-Nocturno mais novo do País tem 23 anos e exerce em Quarteira.
Contudo apenas queremos passar a imagem de que os Guardas-Nocturnos modernizaram-se por força dos tempos, passando da imagem do "velho" Guarda-Nocturno que patrulhava as ruas apeado com um molhe de chaves à cintura e que respondia aos pedidos de auxilio ao som de palmas, a profissionais cada vez mais activos e mais jovens, com meios de resposta mais modernos e eficazes, traduzindo-se assim num reforço imprescindível da Segurança Pública.