Portugal
2006-06-05 - 00:00:00
Segurança: Alteração da lei deixou vigilantes desarmados
Guardas sem pistolas
A nova legislação sobre o licenciamento de armas de fogo está a deixar desarmados os guardas-nocturnos. Numa profissão de risco, estes auxiliares das forças de segurança, de remotas origens históricas, com a nova legislação não só são privados de armas de defesa pessoal de potência adequada, como, em alguns casos, a pouca clarificação legislativa leva a que mesmo em patrulha lhes seja negada a arma de serviço a que até aqui tinham direito.
Até recentemente, os guardas nocturnos tinham uma licença especial para usar armas de serviço de calibre idêntico ao das forças de segurança. No entanto, a actual tendência da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, à luz da nova legislação, é a de indeferir essa licença especial e apenas lhes permitir o licenciamento administrativo. Isto significa que os guardas-nocturnos apenas podem usar armas de defesa pessoal até ao calibre 6,35 em pistolas e .32 em revólveres.
“Um dos problemas que se põem é que há muitos colegas que têm hoje armas cujo calibre não é abrangido pela licença administrativa numa futura renovação de licenciamento” – diz Fernando Rodrigues, da Associação Nacional de Guardas-nocturnos.
Por outro lado, e no caso de Lisboa, quando os guardas-nocturnos solicitam a licença administrativa no Comando Metropolitano, esta é indeferida, com a alegação de que estando já abrangidos pelo licenciamento especial, não necessitam daquela. Na prática, não conseguem sequer a licença ‘normal’ de uso e porte de arma de defesa pessoal.
MÃOS NUAS
No meio da confusão generalizada em que está o sector, devido ao licenciamento ser agora pedido nas câmaras municipais, chega a haver zonas em que estes auxiliares das forças de segurança deixaram de receber as armas de serviço distribuídas diariamente pela PSP ou pela GNR. E vão para as patrulhas nocturnas desarmados ou apenas com as suas armas de defesa pessoal que, segundo a lei, ao contrário das armas de serviço, não podem ser usadas na protecção de terceiros.
Entre os guardas-nocturnos não falta quem aponte a origem de toda esta situação à gestão alegadamente pouco clara do antigo responsável delegado pelo Departamento de Armas e Explosivos da PSP, Celestino Soares, detido, em Março deste ano, na sequência de uma operação desencadeada pela Polícia de Segurança Pública contra o comércio ilegal de armas.
Interrogada pelo Correio da Manhã sobre a dificuldade dos guardas-nocturnos no acesso a uma arma de calibre policial, a Direcção Nacional da PSP preferiu não dar qualquer esclarecimento.
CARLOS SILVA ESPERA LICENÇA HÁ UM ANO
Carlos Silva é apenas um entre muitos exemplos. Desde Dezembro de 2003 que tenta obter, pela primeira vez, a licença especial, ao abrigo de artigo da nova lei. Viu o seu pedido inicialmente recusado e só depois de uma exposição ao director nacional-adjunto da PSP é que o licenciamento lhe foi concedido. Mas não lhe chegou a autorização de compra da arma, que obrigatoriamente devia acompanhar a licença. Só em 10 de Outubro de 2004, um ano e um mês depois, a recebeu. Carlos Silva entregou a documentação no armeiro ‘Caça e Defesa’ – loja que foi encerrada, em Março deste ano, na sequência de uma operação desencadeada pela PSP contra o tráfico de armamento e em quem foram apreendidas centenas de armas de guerra. Mas não só a arma não foi vendida, como a autorização desapareceu. Na altura em que Carlos Silva entregou a documentação no armeiro, um dos sócios da loja, o agente da PSP Henrique Martinho, que foi detido no âmbito daquela operação contra o tráfico de armas, garantiu-lhe que “tinha meios para resolver o problema”. Carlos voltou a pedir a licença à PSP, que lhe foi recusada. Hoje, este guarda-nocturno de Lisboa trabalha desarmado.