Para o primeiro encontro de futebol a disputar no Estádio Nacional, símbolo assumido do Estado Novo que Salazar idealizara, escolhera-se, naturalmente, um Portugal-Espanha, jogo, como todos os anteriores, indispensável ao equilíbrio psíquico das nossas gentes. Duas semanas antes, os bilhetes já estavam esgotados, vendendo-se, alguns, por especial favor ou bons ofícios, no mercado negro, a... 100 escudos! Uma fortuna, então. Era a esperança da primeira vitória sobre os espanhóis.
Gerou-se tal entusiasmo que, por exemplo, dois catraios, Carmindo, 12 anos, Ernesto, 15, partiram do Porto à aventura. Escondidos sob os bancos do combóio, ainda conseguiram chegar a Aveiro. Descobertos, foram postos na rua. Fizeram todo o restante trajecto até Lisboa a pé. Chegaram massados de cansaço, descobriram uma porta aberta na cidade, dormiram nas escadas, um guarda-nocturno tomou-os à conta de gatunos, mandou-os para a Tutoria. Choraram, mas presos ficaram...
Correu célere a notícia da sua aventura. Chegou a «A Bola». Fomos buscá-los, levámo-los para o jogo. Viveram o momento mais apaixonante das suas vidas. Carmindo só lamentou o facto de o portista Catolino ter ficado no «banco». «Poderia ter marcado os golos que faltaram para Portugal ganhar à Espanha.» A Selecção empatou 2-2. Regressaram de automóvel - outra nova e indescritível sensação - à boleia do comerciante Joaquim Dias Ferreira. E, nos bolsos, ainda levaram, cada um, 15 escudos, que fora o dinheiro de que «A Bola» ficara fiel depositária para suportar os custos da viagem de regresso, em combóio de primeira, oferecido por três beneméritos.
Dois meses volvidos, a tentativa de desforra, na Corunha. A Selecção viajou de autocarro. O cansaço da jornada foi sendo refrigerado pelos incitamentos populares que se foram vendo escritos em tarjas várias, pelo País acima. Neste género: «A Pátria confia em vós»; «Pátria gloriosa. Filhos heróis»; «Portugueses, um Portugal maior».
E Portugal voltou a perder. Por 2-4. Em 16 encontros, nem um triunfozinho, a não ser moral... Peyroteo abriu o activo, Francisco Ferreira desperdiçou uma grande penalidade quando o resultado estava em 1-2. Portugal alinhou com Azevedo; Cardoso e Francisco Ferreira; Amaro, Feliciano e Moreira; Espírito Santo, Gomes da Costa, Peyroteo, Quaresma e Rafael. Os dois golos da Selecção couberam a Fernando Peyroteo, que o presidente da Federação espanhola, Javier Barroso, considerou «simplesmente espantoso».